Vamos falar sobre perdão?

Durante anos na minha vida, evitei, o quanto pude, tocar nesse tema: perdão.

E sabe por que digo isso? Eu tinha enormes dificuldades em perdoar.

Perdoar quem me traiu, de esposa a amigos, me afastava e nutria rancor, mágoa, raiva e, algumas vezes, ódio.

Mas a idade chegou e descobri uma verdade: perdi um enorme tempo agasalhando amarguras que não eram minhas.

Sabe por que digo isso?

Porque, se eu olhar para a Cruz de Cristo, serei confrontado com uma dura realidade: sou eterno devedor do perdão que me foi oferecido ali na Cruz.

Como pagar?

Não tenho como e sequer pagaria o troco que eu teria a oferecer a Jesus.

Se sou eterno devedor, como não perdoar quem me deve? Me feriu ou traiu? Que me abandonou ou virou as costas?

Hoje, aos 54 anos, não me tornei um santo, mas descobri que posso perdoar, dar uma segunda chance, ou não, me afastar e está tudo certo.

Se esbarrar na rua, abraço, dou um beijo no rosto (se tiver essa intimidade), trocaremos “frivolidades” e tchau…

E está tudo bem.

Hoje, não guardo mágoas ou rancores de ninguém, de absolutamente ninguém.

Se ainda vou confiar ou andar juntos?

Esse tema está fora dessa conversa.

Mas guardar mágoas?

Se, na minha visão turva e no meu entendimento, por vezes equivocado, fui traído ou abandonado… tudo bem, e o que Jesus passou por mim na Cruz do Calvário?

Agora, nem tente se aproximar, que não quero: lá no céu a gente se encontra e bate um papo.

Vamos mudar o foco?

Vamos falar sobre o perdão de uma forma absolutamente criteriosa e técnica?

Aprendi que o perdão ocupa um lugar central na fé cristã, sendo considerado não somente um ato de bondade, mas um mandamento divino essencial para a vida espiritual.

Desde os ensinamentos de Jesus Cristo, que nos instruiu a perdoar “setenta vezes sete”, até as cartas apostólicas que enfatizam a reconciliação, o perdão é apresentado como um reflexo do próprio caráter de Deus.

A tradição cristã compreende que, assim como Deus perdoa incondicionalmente os pecados humanos, os cristãos são chamados a estender essa mesma graça uns aos outros, criando um ciclo de amor e restauração que transcende as ofensas e mágoas.

Demorei a entender essa engrenagem.

A base teológica do perdão cristão encontra-se no sacrifício de Jesus Cristo na cruz, visto como o ato supremo de perdão divino à humanidade.

Esta compreensão estabelece que o perdão não é meramente uma escolha moral, mas uma resposta natural àqueles que experimentaram a graça de Deus.

O apóstolo Paulo, em suas epístolas, ensina que os cristãos devem perdoar “como Cristo os perdoou”, estabelecendo um padrão que vai além da justiça humana.

Lembram da definição magistral de perdão do Caio Fábio?


Perdoar é deixar o outro nascer de novo na nossa história, sem as memórias que fizeram dele uma desagradável lembrança.


Esta perspectiva teológica transforma o perdão de uma obrigação em uma expressão de gratidão, onde aqueles que foram perdoados por Deus encontram a motivação e a capacidade de perdoar outros.

Na prática da vida cristã, o perdão manifesta-se como um processo de cura tanto para quem perdoa quanto para quem é perdoado.

A tradição cristã reconhece que guardar ressentimentos e mágoas causa danos espirituais, emocionais e até físicos, criando barreiras na relação com Deus e com o próximo.

O ato de perdoar liberta o indivíduo do peso do rancor e abre caminho para a restauração de relacionamentos.

Esta dimensão prática do perdão é vista como essencial para a maturidade espiritual, ao desenvolver características como humildade, compaixão e amor incondicional, fundamentais na caminhada cristã. Custei a compreender, mas hoje vivo essa verdade.

O perdão cristão também possui uma dimensão comunitária profunda, sendo considerado fundamental para a unidade e saúde da igreja.

As comunidades cristãs são chamadas a ser espaços de reconciliação e restauração, onde conflitos são resolvidos através do perdão mútuo e da busca pela paz.

Esta prática fortalece os laços fraternais e cria um ambiente propício para o crescimento espiritual coletivo.

Além disso, o perdão comunitário serve como testemunho para o mundo, demonstrando na prática os valores do Reino de Deus e oferecendo um modelo alternativo de resolução de conflitos baseado no amor e na graça.

Cada ato de perdão é visto como uma participação no projeto divino de reconciliação universal, onde todas as coisas serão restauradas e renovadas.

Esta perspectiva escatológica dá ao perdão um significado transcendente, transformando-o em um ato profético que proclama a esperança cristã de um futuro onde não haverá mais dor, injustiça ou separação.

Assim, perdoar torna-se não somente uma obediência ao mandamento divino, mas uma declaração de fé na promessa de Deus de que o amor e a justiça prevalecerão sobre todo mal e sofrimento.

E, para concluir: acredite, o perdão liberta.

Léo Vilhena


Publicado

em

por

Tags: